DE USINEIRO EM LEVERGER A GOVERNADOR DE MT

Quem foi Totó Paes, governador de MT que foi assassinado por opositores

Grupos políticos buscaram por anos esconder a história e desacreditar imagem de Totó Paes de Barros

Redação: Baixadacuiabananews | 31/03/2024 - 22:05
Quem foi Totó Paes, governador de MT que foi assassinado por opositores Usina de Itaicy nos dias atuais, em Santo Antônio de Leverger (Totó Paes, no detalhe)

Uma história que poucos matogrossenses sabem é que um governador do Estado, na época ainda chamado de "Presidente de Província", foi assassinado enquanto ainda estava no cargo. Cercado pela revolução armada imposta por opositores, perdeu a vida e teve a imagem difamada e os feitos de seu governo escondidos por décadas, até historiadores no fim do século passado começarem a encontrar versões diferentes do que era contado.

O protagonista dessa história é o coronel Antônio Paes de Barros, conhecido como Totó Paes, que governou Mato Grosso do período de 1903 até sua morte, em julho de 1906. Para entender como foi sua vida e como se deu a ascensão e queda na política, o MidiaNews conversou com o historiador e analista político Alfredo da Mota Menezes e com o escritor e pesquisador João Paulo Paes de Barros, que também detalharam como era o contexto político-social da época.

O historiador e analista político Alfredo da Mota Menezes

De família abastada e primogênito de doze filhos, Totó Paes seguiu os passos do pai e era usineiro, sendo o responsável pela construção da usina Itaicy, às margens do Rio Cuiabá. Ela era a primeira e mais moderna usina industrial de cana-de-açúcar do Estado.

O Totó Paes é dessa linhagem de donos de usina de açúcar. Ele era um usineiro de açúcar e álcool. Parte desse produto era vendido aqui, mas a outra parte, bem maior, era vendida na região do Prata. Para a época, [Totó] era milionário nessa área”, contou Alfredo.

O pesquisador João Paulo disse que se formou uma comunidade de trabalhadores próxima a usina e Totó acabou tendo uma influência entre os moradores, mas que, apesar disso, ele se mantinha no meio empresarial e não se dedicava à política.

Ele era um coronel, um líder daquele distrito e, eventualmente, era procurado para dar posicionamento sobre um candidato ou outro, já que ele até fazia parte de um partido, mas não participava ativamente da política ou detinha cargo. Noventa e nove por cento do tempo dele era dedicado à parte empresarial”, disse o pesquisador.

O cenário político no estado Nos primeiros anos de República, Mato Grosso vivia anos conturbados em sua política, tomada por revoluções armadas. Desde a Proclamação em 1889, o estado registrou revoltas em 1892, 1899, 1901 e 1906, sendo a última que resultou no assassinato de Totó.

Vindo à República, os grupos políticos procuravam se acomodar com a nova situação nacional. Por isso que as ‘revoluções’ ocorreram, principalmente, nesse período pós-proclamação da República. Os grupos políticos vivendo uma nova situação política nacional, queriam manter o controle aqui e entraram em choque”, afirmou Alfredo.

Dominavam o estado grupos políticos importantes, capitaneados, por exemplo, por Generoso Ponce e Joaquim Murtinho, que eram de lados opostos. Ponce, havia comandado rebeliões em 1892 e 99 e em 1901, fracassando nessas duas últimas.

Não é ‘jaguncinho’ com arma daqui não, foram grupos armados mesmo se enfrentando em uma ‘mini revolução’ No ano de 1899, há um desacordo entre os grupos de Ponce e Murtinho sobre o nome para governar o estado. Segundo João Paulo, foi a partir desse ano que Totó entra no meio político.

Nesse desentendimento, foram atrás de Totó Paes na usina Itaicy para que ele liderasse uma revolução para cercar a Assembleia Legislativa pedindo a anulação daquela eleição. O cerco aconteceu e ele consegue a anulação da eleição por fraudes eleitorais. Foi aí que ele começa a se envolver com o mundo político”, explicou.

Mas foi após a revolução de 1901 que ele ganhou grande projeção política. “Em 1901, ele consegue debelar outra revolução e com isso começa a criar um prestígio político muito grande no Estado. Isso o leva a ser o grande nome para as próximas eleições, que foi em 15 de novembro de 1903, da qual ele sai vitorioso”, disse João Paulo.

Governo e queda

Seus dois primeiros anos de governo teriam sido tranquilos. Totó tinha apoio do grupo de Joaquim Murtinho, o que lhe dava estabilidade. A nível nacional, apoiava o governo do presidente Rodrigues Alves, o que veio a lhe trazer problemas. Segundo o historiador Alfredo da Mota, a pouca habilidade política, devido a sua pouca experiência com o meio político, o atrapalhou a governar um estado cheio de instabilidades e suscetível a revoluções de grupos opositores insatisfeitos.

“Naquele momento conturbado, talvez lhe faltasse a maleabilidade que o político tem que ter para enfrentar a situação daquele momento, de um Mato Grosso conturbado e com revoltas”.

O escritor e pesquisador João Paulo Paes de Barros

Para o pesquisador João Paulo Paes de Barros, um fator determinante foi o apoio de Totó ao governo de Rodrigues Alves, que desagradou Joaquim Murtinho que antes lhe apoiava. Murtinho fazia oposição ao presidente e teve alguns de seus interesses no Estado desconsiderados.

Com Totó Paes apoiando Rodrigues Alves, levou Murtinho a sair da base de apoio do governo. Ele mandou emissários procurarem o antigo rival político, Generoso Ponce, que decidiram se unir na oposição, formando um partido chamado ‘A Coligação’”.

Isso resultou na morte de Totó Paes”, explicou Alfredo.

Dinâmica do assassinato

 A revolução de 1906 começa em Corumbá, onde Ponce toma postos do Exército e vem com seus comandados subindo rio Cuiabá acima rumo à Capital. Do norte, seu correligionário Pedro Celestino forma um núcleo revolucionário em Diamantino e vem sentido Cuiabá, para tentar cercar a cidade. O pesquisador João Paulo Paes de Barros explicou que as tropas não encontraram resistências pelo caminho, pois Totó havia sido aconselhado a reunir forças em Cuiabá e aqui esperar os revoltosos. Acontece que, quando eles chegaram à Capital, o comandante do 8º Batalhão do Exército em Mato Grosso, coronel Fontoura, que havia dado o conselho, decidiu não agir para combater os opositores, de certa forma os apoiando.

Com essa traição do coronel Fontoura, inclusive de parar de fornecer munições federais para a tropa de Totó Paes, ele se viu entrincheirado e teve que sair da cidade”.

Totó se refugiou na Fábrica de Pólvora do Coxipó do Ouro, onde tinha um aliado. Lá, esperaria a chegada de uma tropa federal de dois mil homens, comandada pelo General Dantas Barreto, que estavam à caminho enviadas pelo presidente Rodrigues Alves para conter os revoltosos. Entretanto, as tropas não chegaram a tempo. Em 1° de julho de 1906, os soldados que ainda resistiam se renderam e o vice-presidente da província, Pedro Leite Osório, assumiu o cargo.

 No dia 6, tropas foram enviadas à Fábrica de Pólvora e encontraram Totó. Ele foi assassinado com dois tiros, um no peito e outro no pé do ouvido, em uma circunstância ainda controversa e sem detalhes conhecidos.

Um homem que foi governador do Estado, [...] não tem nenhum beco com o nome dele? “Ele foi assassinado, porque não existia mais guerra, Osório já havia assumido. Ele estava escondido no mato, não fazia mal para ninguém, não tinha por que mandar tropas. Mas havia um temor de Ponce caso as tropas de Dantas Barreto chegassem e ainda o encontrassem vivo”, defende o pesquisador, em detrimento da história oficial contada, de que ele havia sido morto ainda na guerra durante uma troca de tiros, porque reagiu à chegada dos revoltosos.

De acordo com João Paulo, ao chegarem em Cuiabá, a tropa de General Dantas foi recebida pelo novo governo com pompas e informada que não havia mais batalha, pois Totó estava morto. E, assim, não houve mais nenhuma reação para reverter isso.

Legado e apagamento

Após a morte, a história de Totó e de seu governo foi contada pelos vencedores, a quem não interessava deixar qualquer ponto positivo a ser contado. Não houve nenhum tipo de punição aos responsáveis pelo assassinato do mandatário e a sua família, esposa e filhas, precisaram sair em fuga para o Rio de Janeiro, buscando por segurança e em situação financeira desfavorável.

Pesquisador sobre a época, o escritor João Paulo destacou alguns feitos do mandato de Antônio Paes de Barros.

Ele era bastante progressista. Ajudou Rodrigues Alves no Tratado de Petrópolis, que adquiriu o Acre da Bolívia; conseguiu trazer a ferrovia Madeira-Mamoré até Mato Grosso; conseguiu aumentar a arrecadação dos impostos sobre a borracha; e um trabalho de desoneração fiscal principalmente no mercado de charqueada. Enviou, também, uma equipe científica do estado para participar da Exposição Universal de 1904, nos Estados Unidos”, enumerou.

Autor de um livro sobre a história do coronel, Alfredo disse que quando decidiu falar do tema, ouviu de pessoas pedidos para deixar essa história “para lá”.

“É impressionante como o grupo vencedor procurou apagar a imagem do Totó na história de Mato Grosso. Na história, ele passou a ser o ‘mal’ e o grupo vencedor passou a ser o ‘bem’ na luta. Quando falei que iria escrever sobre isso, pessoas da Cuiabá daquela época disseram ‘cê tá doido, rapaz? Deixa esse assunto pra lá’”.

Por fim, Alfredo disse haver diversas ruas e avenidas na Capital e no interior com o nome de Generoso Ponce ou Joaquim Murtinho, mas nada com o nome de Antônio Paes de Barrros.

“Um homem que foi governador do Estado, que foi, talvez, o maior usineiro de açúcar e álcool daquele período e não tem nenhum beco com o nome dele?”, completou. 

Fonte: Midianews