Quando a gente conhece uma pessoa que está fazendo 100 anos, vem um monte de perguntas à cabeça - como foi a sua infância, qual é sua receita da longevidade -, mas a principal é: será que está feliz? Pois Nympha Escolástica da Silva, que comemora hoje seu 100º aniversário, parece muito feliz.
“Fazer 100 anos não é brincadeira, tia! Tem que dar valor”, comenta, depois de falar à repórter sobre os preparativos para a festa desta noite, num buffet da capital mato-grossense. Ela vai usar um vestido verde-azeitona especialmente feito para a ocasião, mas o detalhe principal é o par de brincos. “Mandei fazer brincos com 100 pedras (brilhantes): 50 de cada lado”, conta, satisfeita.
As comemorações começam às 8h30m com uma missa de Ação de Graças na igreja de Santo Antonio do Leverger, terra natal de dona Nympha. “Fiz questão de que a missa fosse celebrada lá. Sou filha de Santo Antonio, que se chamava Vila de Santo Antonio do Rio Abaixo, na minha infância”, recorda. Nascida em 1º de novembro de 1911 em uma família de 11 filhos, Nympha estudou até a quarta série primária. “Naquele tempo era puxado. Estudei até álgebra”, lembra.
A principal característica da menina era a personalidade forte. “Achavam que eu não tinha juízo. Sempre tive muita presença de espírito. Se alguém falar alguma coisa que não gosto, dou resposta no ato. O que gosto, gosto; o que não gosto, não gosto. Por isso sou feliz”, afirma.
Talvez seja essa a verdadeira receita da longevidade de dona Nympha. “Quer ver eu ficar doente? É não poder falar o que quero. A gente não pode viver abafada. Tem que desabafar”, assegura. Bem que a família tentou conter aquele “gênio indomável”, mas, com o tempo desistiu. “Teve um senhor que disse aos meus pais: ‘Não adianta bater nessa menina. Ela tem presença de espírito, não vai mudar’”. Dos 10 irmãos de dona Nympha, só uma está viva, aos 93 anos. “Só tem eu e a irmãzinha. Coitadinha, ela está cega, acabadinha”, lamenta a irmã mais velha.
GUARANÁ EM PÓ
A receita de vida da aniversariante de hoje tem outro ingrediente, além da personalidade alegre e otimista: o guaraná em pó. “Minha mãe me dava guaraná desde que eu tinha dois meses para ter os dentes fortes. Continuo tomando meu guaraná até hoje. É bom para o coração. Às vezes você está desanimada e toma só uma colherzinha. Faz bem”, ensina. Dona Nympha diz que come de tudo (menos carne de porco porque tem alergia) e começa o dia sempre com o guaranazinho: “É a primeira coisa que vai no meu estômago”. Dorme bem, sem precisar de remédios, tem muita fome (“Acabei de comer duas claras de ovo com pão para esperar o almoço”) e uma saúde invejável. “Minha pressão não passa de 12 por 8, 12 por 6”, orgulha-se.
Dona Nympha confessa que é vaidosa (“Sempre gostei de andar arrumada”) e procurou aproveitar a vida ao máximo na juventude: “Eu era muito festeira, popular, tinha muitos amigos”. Ela viveu 54 anos e 9 meses ao lado do marido, José Vitorino da Silva Lara, que morreu em maio de 1990, aos 75 anos. Ele era seis anos mais novo que a esposa e, segundo ela, foi “muito bacana”, mas dona Nympha não pensou em se casar novamente. “Deus me livre. Caçar precipício?”
Sua memória prodigiosa lhe permite lembrar as palavras exatas de um bilhete que entregou ao marido quando começou a cortejá-la: “Veja bem a minha qualidade: sou negra, feia, pobre, sem dinheiro e preguiçosa. Além de tudo, sou um gênio indomável”. Essa declaração não impediu que ambos se casassem em 1936 e viessem morar em Cuiabá, onde criaram os cinco filhos. Hoje, dona Nympha mora com a filha Enir Gonçalves da Silva Moreira, num prédio do bairro Goiabeiras, perto da Praça Popular, tem 12 netos, 24 bisnetos e um tataraneto.
FORÇA E PODER
Muito católica, dona Nympha disse que nunca pensou que chegaria aos 100 anos. “É uma coisa de se admirar. Quantas pessoas vieram de longe para a minha festa. Isso é uma benção, uma graça de Deus”, alegra-se. Ela diz que não pensa na morte: “Um dia Deus chama, leva a gente. Mas tenho certeza de que tão cedo não vou morrer porque ninguém judia comigo”. Dona Nympha conta que gosta de passear de carro com a filha, mas já não acha Cuiabá tão bonita quanto antigamente.
“Acabou aquela beleza que tinha aqui, aquela união. A gente sentava na porta, os vizinhos vinham conversar. Hoje cada um vive fechado em casa com medo de ladrão”, lamenta. Ela acha que a vida piorou de modo geral. “Piorou demais. Antes tudo era barato, fácil, todos eram amigos. Hoje a gente não sabe mais quem é amigo”. Mesmo assim, dona Nympha não perde a vontade de viver. “Pedessista de coração”, ela sempre foi entusiasta da política e pedia votos para seus políticos preferidos, como o ex-senador Filinto Müller (1900-1973). Dona Nympha faz questão de votar até hoje: “Penso certinho e escrevo divinamente”, diz, sem falsa modéstia.
Ela credita parte de sua vitalidade ao nome Nympha, que tem “força e poder”. Eu me despeço da aniversariante desejando-lhe muita saúde e que eu possa voltar a entrevistá-la num próximo aniversário. Ela pede que eu volte para conversarmos mais. É impossível não gostar de dona Nympha – uma prova viva de que a vida é bem menos complicada do que a gente pensa. “É bonita, é bonita, é bonita”, como diz o compositor Gonzaguinha no samba “O que é, o que é”.
