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Jean Peliciari, da Teoria Verde, diz que degradação no Pantanal está apenas começando

Redação: Noticias da Baixada | 20/02/2021 - 21:21
Jean Peliciari, da Teoria Verde, diz que degradação no Pantanal está apenas começando

O ambientalista Jean Peliciari classificou como “tragédia anunciada” a seca severa que atinge a Baía de Chacororé, em Barão de Melgaço (a 113 km de Cuiabá).

 

Peliciari, que é diretor da startup ambientalista Teoria Verde, afirmou que a degradação na fauna aquática do Pantanal está apenas começando e que é necessário um plano de ação urgente para recuperá-la. 

 

“Nós já fizemos ações de limpeza na Baia de Chacororé e foram mais de 30 toneladas de lixo retirados dos corixos que ligam o Rio Cuiabá até a baía. O problema é que essa degradação só está começando. Precisamos de um plano de ação urgente. Ainda dá tempo de recuperá-la, mas é uma tragédia que já era anunciada, com certeza”, afirmou em entrevista a imprensa de Cuiabá.

 

O ambientalista ainda disse que a população precisa entender que também é responsável pelos problemas ambientais e começar a agir, fazendo a separação dos resíduos dentro de casa.

 

Para ele, é muito cômodo culpar apenas o poder público e o agronegócio pela atual situação ambiental do Estado.

 

Na entrevista, Peliciari também defendeu a educação ambiental nas escolas, incentivos para empresas de reciclagem e mais.

 

Leia os principais trechos da entrevista: 

 

MidiaNews – Como o senhor classifica a situação da degração ambiental em Mato Grosso? Acha que é grave?

 

Jean Peliciari - Essa pergunta é muito ampla. Quais são os tipos de degradação? Nós temos vários. Por exemplo, o esgoto causa um tipo de degradação. O resíduo sólido causa outro tipo de degradação. A mineração causa outro tipo de degradação. As dragas causam outro tipo de degradação. Os agrotóxicos causam outro tipo. Nós temos um leque de degradações no Estado de Mato Grosso.

 

Nós, da Teoria Verde, focamos nossas ações na degradação causada pelo ser humano através do descarte de lixo no meio ambiente.

 

Em Mato Grosso, nós temos algumas cidades no interior que estão muito mais avançadas no quesito educação ambiental do que a própria Capital.

 

Em Mato Grosso, nós temos algumas cidades no interior do Estado que estão muito mais avançadas no quesito educação ambiental do que a própria Capital

Em Cuiabá, não há educação ambiental nas escolas, não há separação dos resíduos dentro de casa e ainda temos um lixão. Falam que é um aterro controlado, mas se formos ver lá, na prática mesmo, tudo é enterrado.

 

Então nós temos aí um grave impacto ambiental na Capital, que é causado pela própria população, que não separa os resíduos dentro de casa, mistura tudo, coloca na porta de casa. E tudo isso é coletado e levado para lixão para ser enterrado.

 

MidiaNews - Quais são os maiores vilões desta degradação?

 

Jean Peliciari – São três. Primeiro, a população, que precisa entender que faz parte do problema e precisa começar a fazer a parte dela dentro de casa. Não esperar que o Município dê oportunidade de uma coleta seletiva, mas sim mudar hábitos e buscar pontos na cidade onde possa fazer o encaminhamento correto dos seus resíduos.

 

O segundo são as empresas, principalmente as de embalagens. Elas precisam entender que também fazem parte do problema e precisam fazer a logística reversa. Que é incentivar cooperativas a fazer a reciclagem das embalagens para a economia circular. Ou ter um programa dentro da própria empresa para isso.

 

O terceiro é o poder público, que precisa melhorar os serviços, fazer uma coleta seletiva porta a porta ou que tenha, num primeiro momento, muitos pontos espalhados na cidade para que a população possa encaminhar os seus resíduos.

 

MidiaNews - Defende que as escolas tenham a disciplina Educação Ambiental?

 

Jean Peliciari – A base está nas escolas. Precisamos ter equipes fixas e constantes atuando em todas as escolas. Não é em apenas algumas como a gente vê em alguns projetos por aí. As escolas precisam ter o tema sustentabilidade de maneira transversal nas suas disciplinas, ou seja, na língua portuguesa, geografia, matemática, todas as matérias precisam abordar o tema de uma forma ou outra.

 

A gente precisa que as escolas se reformulem. Que entendam o conceito lixo zero, que os professoram sejam lixo zero para que depois os seus alunos aprendam a fazer. Porque também não adianta você querer ensinar aos seus alunos algo que você também não faz. Por isso, os professores precisam ser capacitados. O foco é nas crianças. Depois, a comunicação de massa. A gente precisa que a imprensa local de forma constante incentive a sociedade a separar seu resíduo. Não adianta uma campanha ou outra. O ser humano é assim. Infelizmente, tem que ficar sempre batendo na mesma tecla.

 

MidiaNews -  Como o senhor enxerga o que ocorreu com a Baía de Chacororé, que está morrendo?

 

Lislaine dos Anjos/MidiaNews

Jean Peliciari - Teoria Verde

"Sociedade precisa entender que também faz parte do problema"

Jean Peliciari – Nós já fizemos ações de limpeza na Baía de Chacororé. Foram mais de 30 toneladas de lixo retirados dos corixos que ligam o Rio Cuiabá até a baía. Nós já vivenciamos o corixo ser entupido de lixo e areia impedindo a água de entrar na Baía. É ano após ano. São as dragas que estão trabalhando rio acima, é o lixo que está descendo, é o esgoto que 50% do que a gente diz que trata, vai saber se trata, na verdade, está descendo. As primeiras baías, a de Chacororé e Sía Mariana, são as mais impactadas pelas ações aqui do homem, desses 13 municípios que compõem o Vale do Rio Cuiabá.

 

O problema é que essa degradação só está começando. Precisamos de ações urgentes. Vamos trazer as pousados, os ribeirinhos da comunidade para serem os nossos fiscais. Por que só ficar com Polícia Ambiental? Também é muito grande, muito extenso o local ali. E a gente precisa trazer toda comunidade para que possamos reverter isso. Ainda dá tempo, mas é uma tragédia que já era anunciada, com certeza.

 

MidiaNews -  O fato de Mato Grosso ser uma superpotência agrícola, com recordes históricos de produção, de certa forma não acaba minimizando a importância da questão ambiental?

 

Jean Peliciari – Nós temos hoje uma fiscalização do setor do agronegócio via satélite. Está muito mais organizado do que era há décadas. No Pantanal, por exemplo, você não pode plantar em qualquer lugar. A área é muito bem monitorada por satélite. Não dá para culpar o agronegócio somente, sendo que existem leis para isso. O agronegócio está fazendo o que está dentro da lei. Não podemos falar que o agronegócio é o grande vilão, porque precisamos também do alimento, precisamos alimentar o planeta. Mato Grosso é rico por isso, uma grande potência porque faz e faz direito. É um erro sempre culpar o agronegócio. Acho que precisamos rever isso e entender que é o todo. Todas as atitudes que temos no dia a dia é que está fazendo com que o clima fique diferente e a gente sinta esses impactos.

 

MidiaNews - Como surgiu a ideia de atuar nestas causas ambientais?

 

Jean Peliciari – Foi em 2014 em uma viagem que fiz para Moçambique. Lá eu me deparei com uma cidade linda, litorânea, só que com graves problemas de lixo. Eu ia numa praia e tinha muito lixo. Eu ia num bar e via muito lixo. Nas ruas. Quando voltei ao Brasil, criei uma página no Facebook chamada “Limpa Moçambique”. Com os amigos que fiz lá, comecei aqui do Brasil a motivar ações de limpeza voluntária lá. Com um ano de projeto a gente já estava fazendo ação de limpeza em mais de 20 cidades.

 

A partir daí, aconteceu um fenômeno comigo que acontece com muitas pessoas. O fenômeno da cegueira do lixo. Porque eu fui ver o lixo lá do vizinho, só que não estava olhando o meu lixo aqui. E eu despertei em 2015, quando criei a Teoria Verde.

 

MidiaNews - Como é a linha de atuação da Teoria Verde?

 

Jean Peliciari – Nós somos uma startup do setor dois e meio. São esses novos modelos de negócio. Eu não queria ser ong e nem empresa. Aí a assessoria do Sebrae nós mostrou esse novo modelo de negócio.

 

MidiaNews - Como o Teoria Verde se mantém?

 

Jean Peliciari – Tudo começou com o voluntariado, mobilizando pessoas para fazer ações de limpeza. Depois, passamos a fazer palestras dentro das empresas e também organizamos eventos com oficinas, workshops, visitas técnicas... E agora nós nos conectamos ao Instituto Lixo Zero Brasil, onde fazemos assessoria lixo zero. Então, se uma empresa ou uma instituição quer mudar os seus hábitos no dia a dia, quer apreender sobre lixo zero, quer encaminhar os seus resíduos, a gente faz essa assessoria.

 

Também criamos recentemente a rede de reciclagem inovação de Mato Grosso. O trabalho da reciclagem, as pessoas pensam que terminam ali na cooperativa, que faz todo trabalho de triagem e tal. Porém não termina ali. Só começa ali. Tudo que Mato Grosso recicla, não recicla, manda para fora. Então, o que a rede de reciclagem está fazendo? Estamos reunindo os especialistas em vidro, plástico, papel, papelão, eletrônico, óleo de cozinha, orgânicos, para mostrar para a população, poder público, que eles existem.

 

Enfim, estamos aprendendo formatos de negócios para que o projeto seja sustentável.

 

MidiaNews - Faltam incentivos para essas empresas de reciclagem?

 

Jean Peliciari – Com certeza. Por exemplo, o setor do plástico, em alguns momentos, esse cara que está mandando o plástico para ser reciclado, está pagando duas vezes os impostos. É o que eles chamam de bitributação.

 

MidiaNews - O que mais te impressionou nestas ações de recolhimento de lixo em Cuiabá?

 

O objeto mais curioso que a gente já encontrou foi uma tornozeleira eletrônica na Orla do Porto

Jean Peliciari– Nós já encontramos de tudo. Na margem do Rio Cuiabá tiramos mais de 30 toneladas de lixo numa ação de limpeza. É sofá, geladeira, fogão. É difícil falar o que mais me impressionou. Talvez o objeto mais curioso que a gente já encontrou foi uma tornozeleira eletrônica na Orla do Porto. Até hoje não descobrimos de quem era, se era de algum político ou outra pessoa (risos).

 

MidiaNews - A Teoria Verde já realizou muitas ações na área ambiental, mas sempre há a impressão de que a sujeira permanece. O senhor sente que às vezes está enxugando gelo?

 

Jean Peliciari – Jamais! Um ou outro sempre diz que estamos enxugando gelo, mas o sentimento que nós temos é de que isso não é verdade. Por mais que não resolva o problema com uma ação de limpeza, como no Morro da Luz, por exemplo, onde já fizemos cinco ações, a gente cutuca. A gente mostra que existe o problema e ele não pode ficar abafado.

 

Depois das ações de limpeza que fizemos na margem do Rio Cuiabá, surgiu a balsa ecológica, que a gente não sabe se ela está diariamente limpando, mas surgiu e o prefeito, inclusive, disse no dia do lançamento que foi inspirada nas ações da Teoria Verde.

 

Por isso, a gente sente que o trabalho que realizamos não é de enxugar gelo e a cada ação nós damos um passo.

 

MidiaNews - O que o senhor sente quando vê um cidadão jogando, por exemplo, latinhas de cerveja pela janela do carro?

 

Jean Peliciari – Olha, antigamente eu ficava com mais raiva. Hoje em dia eu já respiro (risos), já sei me controlar, inclusive, com técnicas de meditação (gargalhada). A gente vai aprendendo com o tempo que é muito mais difícil mudar um adulto do que uma criança. Por isso, eu volto na questão do foco nas crianças. Hoje em dia entendo que essa pessoa [que joga lixo pela janela do carro] não teve uma educação ambiental. Então a gente precisa, dentro das escolas, educar o filho dessa pessoa, todas as crianças, para reverter isso.

 

MidiaNews - Baterias de celular são uma ameaça ao meio ambiente. O que fazer para reduzir efeitos dos danos causados pelo lixo tecnológico?

 

Jean Peliciari – Recentemente, terminamos a 4ª edição da campanha Leve (Local de Entrega Voluntária de Eletrônicos), que tem como objetivo resolver mesmo esse impacto ambiental que é causado pelo lixo eletrônico. Se descartado no lixo comum, esses eletrônicos serão enterrados. E se foram enterrados existem os metais pesados como o cobre e vários outros que estão dentro de um celular, de um aparelho de som. Tudo isso contamina o solo e o lençol freático.

 

O que nós conseguimos em quatro edições dessa campanha? Mostrar que o lixo eletrônico pode virar dinheiro e pode ajudar uma instituição como o Hospital de Câncer.

 

Lislaine dos Anjos/MidiaNews

Jean Peliciari - Teoria Verde

"Nosso objetivo é mostrar que lixo não existe, o que existe são resíduos"

Nessas campanhas contamos com ajuda de 26 municípios, da Carvalima Transportes e da Ecodescarte, que é uma empresa que faz a reciclagem de eletrônicos aqui na Capital.

 

Conseguimos sensibilizar esses municípios para que separassem os lixos eletrônicos. A Carvalima foi lá pegar esse material, trouxe para a Ecodescarte, que fez uma triagem e avaliação desse material... E 100% do que é revertido em reciclagem é doado. No total, foram R$ 118 mil para o Hospital do Câncer.

 

Nosso objetivo é mostrar que lixo não existe, o que existe são resíduos, que podem virar dinheiro e podem voltar para a própria cidade, seja ajudando uma causa ou uma instituição como o Hospital do Câncer.

 

MidiaNews - Faltam ações mais firmes da Prefeitura para penalizar aqueles que insistem em degradar o meio ambiente?

 

Jean Peliciari – Com certeza. Existe uma lei no Município de Cuiabá que multa quem joga lixo no chão. Só que é uma lei por lei, porque ela não é aplicada. Então, ao invés da gente começar a criar novas leis ou novas campanhas, porque a gente não faz acontecer o que já existe? Como fazer valer a lei que multa quem joga lixo no chão?

 

Nós temos outra lei nacional, só que aqui em Mato Grosso não é aplicada. É a lei de logística reversa, onde você obriga as empresas que colocam embalagens no mercado a incentivar cooperativas a voltar esse resíduo para ele ou ter um próprio sistema de logística reversa implementado. A gente precisa que as leis sejam realmente efetivas. Uma lei que faria o Estado dar um salto quântico na reciclagem é essa lei de logística reversa, que não é aplicada aqui em Mato Grosso. Falta muito conhecimento, falta força de vontade.

  

Fonte: midianews