
Confira a riqueza do texto do Prof. José do Carmo Marques Fontes - Jogo de bolita - agradecemos imensamente ao amigo Zé do Carmo, carinhosamente chamado pelos amigos e colegas. Obrigado pelo resgate da nossa meninice, a "gurizada" com certeza vai relembrar e se emocionar.
Jogo de bolita
Acredito que não há coisa melhor na vida do que uma infância bem vivida. As brincadeiras de rua, as brigas tolas, as viagens interplanetárias em cima das goiabeiras, as imensas fazendas de boizinhos de manga, os desenhos animados…, enfim, tudo é tão puro e bom que nem imaginamos o quanto isso é importante em nossa vida. É a fase em que a inocência é maior que a perversidade e a malícia.
No célebre poema “Meus oito anos”, o poeta brasileiro Casimiro de Abreu escreveu “Oh, que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais!...” Pois dias atrás, numa rua do bairro Lixá, fui surpreendido por uma cena que remeteu a minha infância: avistei um grupo de crianças que brincavam de jogar bolita e me aproximei. Cumprimentei a criançada e fiquei observando o desenrolar da brincadeira.
No chão estava riscado o triângulo onde seriam colocadas as bolitas. Cada um fez a sua “para” e, em seguida, tiraram ponto para definir a ordem de quem jogaria primeiro e, assim, sucessivamente. Havia um guri que era largo para tirar ponto, pois a sua bate quase sempre colava na linha do ponto. Quando surgia dúvida de empate, o ponto era definido na medição com palmo, geme ou dedos.
Enquanto a brincadeira prosseguia, os meninos menores seguravam as bolitas que seu irmão ou primo maiores iam ganhando. As bolitas eram guardadas em latas de leite em pó ou garrafa pet de refrigerante. Alguns guardavam as lauritas no bolso e aparavam somente as casca-buias. Um menino que chegou naquele momento queria entrar na brincadeira, mas não o aceitaram porque ele estava na mão- de-estuca. Para se exibir aos outros meninos, ele correu até sua casa e voltou com as mãos cheias de bolitas paraguaias: eram as mais coloridas e cobiçadas por todos e somente ele as tinha.
De vez em quando saía uma pequena confusão porque, após uma jogada duvidosa, um menino afirmava que sua bate acertou a bolita de dentro do triângulo, enquanto os outros afirmavam que foi rola, o que não vale no jogo de bolita. Afinal, a bate deve acertar na cabeça ou no pé da bolita e tirá-la de dentro do triângulo.
Outro motivo de confusão foi quando um menino passou na frente do outro na hora da jogada, cortando o seu ponto, pois isso tirava a sorte. No momento da jogada, também se ouvia alguém atrás da fila dizer baixinho: “Erris!” Era uma forma de induzir o outro ao erro e assim chegar a sua vez. Na hora de jogar, os meninos batiam uma bolita na outra como forma de atrair sorte; e, às vezes, dava certo!
Quando um dos meninos foi estucado, os outros começaram a zoar dele, que se zangou e, com raiva, desmanchou o triângulo e espalhou as bolitas dos companheiros. Outro menino mais enfezado deu-lhe um murro nas costas e, inevitavelmente, saíram no aloito. Intervi separando os meninos e disse que eles eram amigos e aquilo era apenas uma diversão. Depois disso, as crianças decidiram acabar com a brincadeira, pois já estava quase na hora de assistirem ao desenho do Gohan. Quanto a mim, fui a uma venda mais próxima, comprei dez reais de bolita para distribuir às crianças assim que as encontrasse novamente, afinal, Janeiro são férias escolares.
Janeiro de 2010
José do Carmo Marques Fontes – Licenciado em Pedagogia e Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso, Professor na Escola Estadual Dr. Hermes Rodrigues de Alcântara, em Santo antonio de Leverger-MT.