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Santo-antoniense faz viola de cocho e mantém modo de vida aprendido com família

Redação: Redação - Leverger News | 07/04/2017 - 00:00
Santo-antoniense faz viola de cocho e mantém modo de vida aprendido com família

 

 

 

 

 

 

 

 

Promotor cultural, Alcides Ribeiro dos Santos vive em Santo Antonio de Leverger (cidade ribeirinha a cerca de 35 quilômetros de Cuiabá) mantendo uma tradição que já esteve mais próxima da extinção, apesar de ainda não estar totalmente salva. Ele constrói violas de cocho, talvez o maior e mais antigo símbolo do existir cuiabano.

O ofício foi aprendido com o pai, o mestre Caetano Ribeiro, ainda na maneira tradicional – com cola feita de poca (uma membrana respiratória dos peixes que, fervida, cria uma liga) e cordas construídas a partir de tripas de animais silvestres, habitualmente macacos ou ouriços. Aos ambientalistas mais exaltados, isso deixou de acontecer desde os anos 1980, quando foram substituídas por colas industriais e cordas de nylon. Foram as únicas mudanças introduzidas na arte centenária.

Como sertanejos e ribeirinhos, eles entalham o instrumento em uma única peça de madeira. São vários os tipos utilizados. O corpo é feito de ximbuva, pinho cuiabano ou sarã; o tampo é feito de raiz de figueira branca e todas as outras peças são cedro-rosa.

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Esse entalhe feito a golpes de facão mais o escave são os trabalhos mais pesados. Para se ter uma ideia, para cinco peças é consumido um dia inteiro de labuta, iniciada às 06h e só encerrada às 17h. “Já fui mais forte, quando mais jovem, e conseguia fazer até dez, mas hoje meus braços doem muito se fizer isso; então, procuro ficar mais de boa”, conta, rindo, com o sotaque cuiabano característico, o próprio Alcides, durante uma de suas apresentações para alunos em escolas. No caso, o Colégio Plural.

Depois da madeira escavada, o cocho deve secar por 10 dias no sol. Só depois desse período é que a viola recebe seu tampo e são instalados o cavalete, prendedor das cordas ao corpo do instrumento, e as cravelhas, chaves de madeira (cinco no total) que serão atarrachadas à cabeça da viola.

Além da dor, as próprias mãos do artesão de 51 anos também receberam marcas quais entalhes, mas feitos de calos. Espécie de prêmio orgulhoso do caminho escolhido ainda aos 15, quando mestre Caetano Ribeiro começou a ensiná-lo a arte de primeiro golpear com o facão um pedaço de tronco até ir dando um dos três formatos daquela espécie de alaúde pantaneiro tornado patrimônio cultural imaterial desde dezembro de 2004, quando a proposta do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) foi aceita pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e cujas origens, defende o maestro Abel Dy Hanjos Santos e outros estudiosos, remetem à antiga Mesopotâmia.

Durante a performance na escola Plural, Alcides expõe parte da dificuldade da confecção de seu artesanato sob o olhar atento das crianças, que vêem as lascas de madeira voarem às pancadas do facão afiado com olhares curiosos. Durante a sessão de perguntas, conta que já perdeu a conta de quantas violas construiu, mas lembra que até 10 anos atrás, quando tentou realizar a última contagem, sabia que havia passado das mil obras.

Ele também faz os outros instrumentos necessários ao siriri: o mocho e o ganzá.

Nesse passo, é levado a lembrar uma parte de sua trajetória de divulgador da cultura cuiabana e pantaneira, pela qual acabou por conhecer grande parte do Brasil. Além de participar de grandes eventos, como o Salão de Turismo de São Paulo, em pleno Anhembi. “Tudo graças ao facão, enchó e o formão goiva”.

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Suas violas tem qualidade musical, “depois que começaram a ser utilizadas pela Orquestra de Câmara do Estado, melhoraram as afinações e o estudo. Viram que é um instrumento apto a tocar qualquer tipo de música brasileira”, lembra, mas também podem ser peças decorativas numa boa. Estas tem preços variando (a de 55x20cm) de R$ 250 até R$ 480 (as maiores).

Hoje presta serviço fazendo, oficinas, palestras, workshops, além de fabricar as violas, mochos e ganzás para todos os interessados, além de fazer o instrumento sob encomenda para músicos Brasil afora. 

Pergunto se ele sabe da modernização do instrumento, transformado em uma espécie de “guitarra de cocho”, com captadores e eletrificações para receber amplificação e até distorção via pedais. “Eu gosto, acho diferente. Sou eu quem fabrica as violas para o Billy (Espíndola, o inventor da face mais recente da viola)”, diz, sorrindo e lembrando que esse pode ser um meio de sobrevida para seu ofício, já que nos dias que correm não tem nenhum aprendiz

 

Fonte: RDnews