CULTURA REGIONAL

(*) FANTASMA DA BOCAINA ATACA CARRETEIRO

Redação: João Carlos Vicente Ferreira | 25/06/2010 - 00:00
        (*) FANTASMA DA BOCAINA ATACA CARRETEIRO

A bucólica localidade da Bocaina, encravada entre o Morrinho e Fazenda Velha tem hoje ilustres moradores que escolheram a tranqüilidade do lugar para fixar moradia. Entre eles, apresentamos o ex-secretario de cultura de Mato Grosso, João Carlos Vicente Ferreira que também é escritor. Confira o maravilhoso conto que ele nos enviou e agora publicamos.

 

FANTASMA DA BOCAINA ATACA CARRETEIRO (*)
 
Contam os mais antigos moradores da Fazenda Velha e da Bocaina, que as “almas do outro mundo” e as mães das matas e dos cerrados que circundam o Morrinho ou Morro de Santo Antonio, protegem os “homens bons e de bons costumes” que, juntamente com suas famílias, fazem a história do lugar.
 
Quem se aventurou a passar pela estrada que leva da Fazenda Velha ao Engenho Velho, e não pediu licença a quem deveria sofreu conseqüências terríveis. Há anos atrás, no cruzamento que leva até a antiga propriedade do Abdias, já tarde da noite, um desgarrado filho de Deus cruzou o caminho blasfemando aos que tentaram, em vão, avisá-lo que aquele lugar deveria ser respeitado, pois muita gente já tinha visto ali uma mulher vestida de branco e, que não deixava passar ninguém que abusava do lugar. Quando o sujeito quis se arrepender já era tarde. Um barulho ensurdecedor de corrente, mais parecendo um turbilhão de carros de bois rangendo o cenho entrou pelos seus ouvidos. De um lado um vento frio que veio do Morrinho também ajudava a balançar a longa cauda do vestido da mulher de branco, que ficava parada e olhava fixamente para seus olhos. Não vou sair daqui – dizia ela. O homem não falava por que não tinha voz, não andava por que ficou travado. A salvação foi rezar um pai-nosso às pressas. Seu pé desgarrou do chão somente quando veio uma “boa alma” e o ajudou a sair daquela posição ridícula, pois havia caído no barranco perto do córrego. O sujeito fez meia-volta, passou pela estrada que dá acesso à Varginha e nunca mais voltou no lugar.
Em Cuiabá, onde morava, o pobre filho de Deus contava aos amigos e curiosos que não havia visto apenas a mulher de branco, ao seu lado estava o “Pé-de-garrafa” que lhe apontava com o dedo o ponto de saída do lugar: uma estrada tão estreita que não passavam dois carros-de-boi, apenas um. Com o tempo o homem enlouqueceu, sempre se lembrando da força que tem o povo da Bocaina e da Fazenda Velha, pois quem tem uma proteção desta, não precisa de mais nada.
No último dia 18 de junho, deste 2010, um fato inusitado ocorreu na Bocaina. No meio da manhã, uma carreta nova em folha, moradora de Cuiabá, composta de 18 pneus e carregada com mais de 30 toneladas de areia tombou no Encruzamento do Abdias. Coincidências com o fantasma da mulher de branco da Bocaina? Alguns dizem que sim, outros que não. O fato é que o motorista da carreta disse que parou o veículo ao ver de longe um veículo branco. Achou que era um pálio e depois pensou ser um carro da Wolkswagen. Estava confuso. Ficou nervoso com o que viu e deu marcha-á-ré. Neste momento não entendeu e nem viu mais nada. Sua cabeça revirou seguindo seu corpo que flutuou no ar antes de se projetar entre o banco e a porta de passageiro. A carreta tombou. Ficou com os pneus no ar numa situação ridícula. O motorista, coitado, não teve culpa de nada. Quis dar lugar ao carro, que insistia em não sair do lugar. Não saiu e ninguém, a não ser o motorista da carreta viu o tal carro branco. Nem placa tinha.
Os moradores das redondezas afirmam que em algumas ocasiões a mulher de branco ataca de dia e, nestas horas ela pode aparecer de qualquer jeito ou forma. Certamente desta vez ela se transformou num carro branco. Pode ser. Quem sabe?
O fato é que o Fantasma da Bocaina é parceiro do povo da região, que cuida da mata, da sua memória e da sua história.
Pode ser que alguma coisa não esteja saindo de acordo com o gosto do Fantasma da Bocaina em relação ao intenso tráfego de carretas carregadas de areia retiradas do Rio Cuiabá. Quem sabe? Pode ser. A extração de areia por meio de dragagem dos leitos dos rios é altamente prejudicial ao meio ambiente, assim como seu transporte inadequado é à vida das pessoas.
Chega de assombração!
 
(*) João Carlos Vicente Ferreira – escritor e morador da Bocaina/Fazenda Velha
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